Penas alternativas impedem
sobrecarga de prisões na Bahia
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De acordo com a Seap, o sistema carcerário baiano possui 12.093 vagas disponíveis, mas abriga 14.889 condenados |
A aplicação de penas alternativas
a pessoas condenadas por crimes considerados médios – incluindo tráfico de
drogas de pouco potencial ofensivo – tem impedido mais sobrecarga sobre o
sistema prisional baiano.
Dados atualizados em setembro
pela Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas (Ceapa)
mostram que, atualmente, 7.072 pessoas cumprem prestação de serviço à
comunidade, prestação pecuniária (conhecida como pagamento de cestas básicas)
ou comparecem periodicamente ao órgão, que tem status de superintendência na
estrutura da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e
Ressocialização (Seap).
São essas as sanções que,
conforme a coordenadora da Ceapa, Andréa Mércia, podem ser aplicadas às pessoas
condenadas por crimes de médio e pequeno potencial ofensivo, sem violência ou
grave ameaça às vítimas, sem reincidência e com penas de, no máximo, quatro
anos.
Esses critérios, apesar de
previstos no trecho do Código de Processo Penal que trata do mecanismo, nem
sempre são levados em conta pelos juízes, que podem, ainda assim, decidir pela
prisão do sentenciado, detalha Mércia, que está à frente da Ceapa há 13 dos 15
anos de existência da entidade.
"Tenho certeza que muita
gente que está presa podia estar cumprindo pena alternativa, mas há outros
critérios que acabam sendo usados, que são subjetivos, e que impedem as
conversões das penas privativas de liberdade para as alternativas, que são
restritivas de direito", explicita a gestora, criticando o que chama de
"punitivismo" da sociedade.
7.072
pessoas cumprem penas
alternativas, de acordo com dados atualizados em setembro por órgão da
Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap)
Mércia explica que as três
sanções valem também para cumpridores de medidas alternativas – neste caso,
aplicadas a envolvidos em processos simples, movidos nos Juizados Especiais
Criminais, como briga de vizinhos e uso de drogas.
Estatísticas
No caso de condenados, porém, é
que o impacto é verificado de fato. Se todos estivessem presos, o excedente da
capacidade dos presídios que, atualmente, atinge 2.796 vagas, seria 253% maior,
chegando a 9.868.
Hoje, conforme dados atualizados
da Seap de setembro, o sistema carcerário baiano possui 12.093 vagas
disponíveis, mas abriga 14.889 condenados.
As penas alternativas,
entretanto, tem crescido ano a ano. Dos 7.072 condenados que cumprem esse tipo
de punição, 3.088 entraram no sistema este ano. Em 2016, foram 4.296
cumpridores novos. Já em 2002, quando a Ceapa foi criada, ainda como projeto do
Ministério da Justiça (MJ), esse número foi de 340 pessoas acompanhadas pelo
órgão, por determinação judicial.
A partir dali, o modelo atual
começou a ser desenhado: psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais
que compõem uma equipe multidisciplinar atendem o cumpridor em um primeiro
momento.
Depois, ele continua sendo
acompanhado por um técnico e comparece, mensalmente, à Ceapa, além de cumprir a
medida imposta pelo juiz e enviada para pelo órgão para a Vara de Execuções de
Penas e Medidas Alternativas (Vepma).
"O mesmo tempo que passaria
preso, ele cumpre em pena alternativa, só que em horas. Então, para cada dia de
prisão, o cumpridor paga em uma hora de medida", detalha Mércia.
Balanço
Desde o começo, já foram 33.370
pessoas atendidas, segundo balanço do órgão. Possíveis reincidências não são
mapeadas pela Ceapa. Números divulgados em 2006 pelo Instituto Latino-Americano
das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud)
falam, no entanto, em 0,7%.
"Há critérios subjetivos que impedem as conversões das penas", Andréa Mércia, coord. da Ceapa
Já a reincidência entre
condenados presos é de 70%, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), do MJ.
Na Bahia, o Tribunal de Justiça
(TJ-BA) também não possui dados disponíveis. A coordenadora da Ceapa, entretanto,
defende que "o trabalho que é feito reduz drasticamente o risco de acesso
ao crime". Para ela, o maior uso da pena alternativa esbarra na opinião
pública conservadora e na influência desses fatores sobre o Poder Judiciário.
"A gente tenta sensibilizar
juízes para que cumpram o código de processo penal e aplique as penas
alternativas, mas, apesar da prisão não ter dado certo ao longo dos anos, as
pessoas continuam acreditando nela como solução", afirma.
Procurado, o TJ-BA não
disponibilizou ninguém para comentar o assunto. Presidente da Comissão de
Sistema Prisional e Segurança Publica da seção baiana da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB-BA), o advogado Marcos Melo defende como "positivo" o
crescimento das penas alternativas.
Criticando "o punitivismo do
Judiciário", ele acredita que o Brasil vive uma "síndrome de
carcereiro". "Lamentavelmente a mídia fomenta isso e as pessoas
aceitam sem refletir. Só querem prisão, prisão e prisão", afirma o
jurista. "Há pessoas que não podem cumprir pena em liberdade, mas não é a
maioria", avalia ele.
Fonte: A TARDE / Yuri Silva