Luiz Fux acusa o
Congresso de tentar enfraquecer o Judiciário em reação à Lava-Jato
Em entrevista,
ministro do STF defende volta de financiamento de campanha por empresas
POR CAROLINA BRÍGIDO
O Globo
28/08/2017
BRASÍLIA
— Ministro do STF e próximo presidente do TSE a partir de fevereiro de 2018,
Luiz Fux acusa o Congresso de tentar enfraquecer o Judiciário em reação à
Lava-Jato, repetindo o que foi feito na Itália para anular os efeitos da
Operação Mãos Limpas. Fux elogia a força-tarefa da Lava-Jato e, sobre reforma
política, defende a volta do financiamento de campanha por empresas, se não
forem contratadas pelo governo após a eleição. Leia entrevista.
Alguns juízes dizem que, depois da
Operação Lava-Jato, o Congresso Nacional passou a retaliar o Judiciário. O
senhor concorda?
O enfraquecimento do Judiciário é uma das fórmulas que se utilizou
para fulminar os resultados positivos da Operação Mãos Limpas, na Itália. E
parece que isso está acontecendo agora no Brasil, em relação à Operação
Lava-Jato. Enquanto nós estamos estudando as melhores formas de combater a
corrupção, as melhores formas de investigação, o que se tem feito no Congresso
é estudar como se nulificou, na Itália, todos os resultados positivos da
Operação Mãos Limpas. Na Itália, começaram a fazer reformas mirabolantes para
tirar o foco da Operação Mãos Limpas. Aqui, fizeram o mesmo. Na Itália, começou
a haver uma política de enfraquecimento do Poder Judiciário. Aqui, a iniciativa
popular propôs medidas anticorrupção, e elas foram substituídas por uma nova
lei de crime de abuso de autoridade, inclusive com a criminalização de atos do
juiz. Se você comparar, tudo o que se fez na Itália para minimizar os efeitos
da Operação Mãos Limpas tem sido feito no Brasil também.
Quais as medidas mais graves que o Congresso tomou até agora?
Em primeiro lugar, transformar as propostas contra a corrupção em
lei de abuso de autoridade, para tentar criar uma ameaça legal à atuação dos
juízes. Em segundo lugar, é completamente fora da reforma política fixar prazo
de mandato para os juízes dos tribunais superiores. Entendo que seja uma
estratégia para enfraquecer o Poder Judiciário. Essas mudanças são para tirar o
foco do que se está efetivamente apurando, que é a corrupção.
Mandato delimitado para os ministros
enfraqueceria o Supremo?
Depende. Se você aplicar o mandato no curso em que o ministro está
apurando uma operação grave, evidentemente que enfraquece. Se você respeitar
esse prazo de mandato da emenda em diante, acho até uma boa sugestão.
O ministro do Supremo Gilmar Mendes costuma
dizer que o Ministério Público Federal exagera nas denúncias na Lava-Jato. O
senhor concorda?
A Operação Lava-Jato tem como finalidade passar a limpo o Brasil,
e acho que o Ministério Público é quem vai estabelecer o final dessa linha.
Queixa-se muito de que a Lava-Jato não termina, mas eu entendo que esses
integrantes da força-tarefa sabem até onde eles querem chegar. Eles realizam um
trabalho digno de muitos elogios. Sou favorável a essa operação e acho que está
sendo levada a efeito com um sentido bastante positivo.
As brigas entre Gilmar Mendes e o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a partir da Lava-Jato, atingem a
imagem do STF?
Eu entendo que isso é algo de caráter subjetivo, é uma opinião de
um componente do colegiado que não atinge o colegiado. Na verdade, ele fala só
por si. Eu não quero avaliar esse eventual dissenso entre o ministro e o
procurador. Acho que cada um está cumprindo o seu papel de acordo com a sua
percepção e a sua consciência.
O senhor acha que o STF deve julgar logo o pedido de Janot para que Gilmar seja impedido de atuar em habeas corpus de empresários com os quais teria relação?
Isso é algo de foro íntimo a ser resolvido de forma regimental. Se
não me falha a memória, essa alegação é decidida na presidência. Mas, se tiver
que ser levada a plenário, que seja.
Seria melhor julgar o assunto em plenário,
de forma pública?
O STF não tem tradição de julgar impedimentos ou suspeições.
Normalmente, isso é declarado pelo próprio julgador, por foro íntimo. Agora, no
momento em que o tribunal foi instado a decidir isso, a decisão tem que ser
tomada necessariamente pelos critérios legais. A lei estabelece casos de
impedimento, em que o juiz não pode de maneira alguma funcionar, e casos de
suspeição. Se o caso estiver enquadrado em um desses incisos da lei,
automaticamente a função do tribunal é aplicar a lei ao caso concreto.
O Supremo tem condições de lidar com o
grande volume de processos da Lava-Jato?
Diferentemente da vara de Curitiba, que só julga as ações da
Lava-Jato, o STF tem competência múltipla. O juiz de Curitiba (Sergio Moro)
profere, no máximo, 30 sentenças condenatórias por mês. O Supremo tem que
produzir 90 sentenças judiciais por mês, incluindo direito tributário, meio
ambiente, demarcação de terras indígenas... É muito variado. A tramitação das
ações penais no Supremo é mais lenta do que em varas especializadas porque o
STF não tem só isso para fazer.
Isso deve atrasar a conclusão dos
processos da Lava-Jato?
Julgar uma ação penal na turma (com cinco ministros) é mais rápido
do que julgar uma ação no plenário (com 11 ministros). Entendo que o Supremo
vai dar uma resposta judicial bem mais célere do que daria se submetesse todos
os processos da Lava-Jato ao plenário. Nós passamos seis meses julgando
mensalão no plenário. Agora agiliza, porque as turmas é que vão julgar.
Os inquéritos abertos a partir da delação
da Odebrecht saíram da relatoria do ministro Edson Fachin e foram distribuídos
a outros gabinetes, entre eles, o do senhor. Hoje, Fachin tem três juízes
auxiliares e outros ministros têm dois. O senhor acha que será necessário pedir
reforço na equipe?
Seria uma boa medida, porque há inquirições. Agora que pulverizou
(a investigação da Odebrecht entre os ministros), acho que todos deveriam ter
também mais um juiz, para ficar com a dedicação mais exclusiva. Eu pretendo
pedir mais um, para dar mais agilidade para os processos.
Na semana passada houve polêmica sobre
semipresidencialismo e parlamentarismo. O senhor acha que é o momento de mudar
o sistema de governo do país?
Efetivamente não é a hora de se mudar o sistema de governo, até
porque o presidencialismo permite o controle dos atos do presidente não só pela
sociedade, mas pelo Congresso e pelo STF. O presidente pode ser afastado por
denúncia de crime, pode sofrer impeachment. E o Brasil é de tradição
presidencialista. Não é hora de alterar absolutamente nada. A hora é de manter
a nossa tradição política presidencialista sob esse novo enfoque ético e moral,
esses novos valores que foram inaugurados com a repugnância de tudo a que nós
assistimos aí no cenário político.
Qual a opinião do senhor sobre a proposta
do distritão misto?
Esse distritão misto é de uma indecência a toda prova, porque ele
é destinado a manter a reeleição de quem já está lá. Transforma uma eleição
proporcional em majoritária, tira as vozes das minorias e acaba mantendo um
status quo absolutamente indesejável.
O Congresso cogitou criar um fundo
bilionário para financiar campanhas eleitorais, mas voltou atrás. O senhor
concorda com a proposta?
Para mim, esse fundo é completamente incompatível com o momento de
crise econômica nacional. A proposta que eu faria seria permitir a volta do
financiamento eleitoral por parte de empresas que tenham a mesma bandeira
ideológica do candidato. Por exemplo, um candidato que defende o meio ambiente,
ou de determinado setor do mercado financeiro. Esse financiamento se daria num
determinado limite. O financiamento seria ideológico, e a empresa doadora
ficaria impedida de contratar com o poder público. Isso mostra a lisura do
financiamento, como um ato de quem quer ser representado. É o que ocorre com as
pessoas físicas: você doa para quem você acha que representa seus ideais.
Empreiteiras poderiam contribuir para campanhas? Qual seria a
ideologia das empreiteiras? A Lava-Jato mostrou que muitas priorizam a
corrupção.
A proibição da contrapartida evita que
haja ilícito praticado a posteriori. Essas empresas poderiam doar dentro do
ideal de necessidade de melhoria na infraestrutura do país.
A corrupção não encontraria um caminho?
Por exemplo, a empreiteira poderia usar outra empresa como laranja para fazer
um contrato com o poder público.
Sinceramente, na forma como se levou
adiante a Lava-Jato, dificilmente uma empresa vai querer doar ilicitamente para
uma campanha eleitoral para depois ter que comprar, com seu dinheiro,
tornozeleiras eletrônicas para seus executivos.
O senhor vai presidir o TSE de
fevereiro a agosto de 2018. O senhor acha que a Justiça Eleitoral tem real
capacidade para fiscalizar o uso do caixa dois?
A Lava-Jato serviu de
exemplo. Nós vamos montar uma estrutura no TSE para, em vez das auditorias e
perícias serem realizadas a posteriori, elas serão feitas contemporaneamente à
prestação de contas. Isso é importante. Não vamos usar só as forças do
tribunal, mas todas as forças da administração pública serão usadas, como a
Receita Federal e peritos técnicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário