sábado, 2 de setembro de 2017

Tendências mundiais

China pressiona por domínio da tecnologia


Barco robótico patrulha lago na China. O país espera se tornar líder em tecnologia médica e robótica. (Chinatopix, via Associated Press)


PEQUIM — Nas escolas chinesas, os estudantes aprendem que os Estados Unidos se tornaram um grande país em parte graças ao roubo da tecnologia dos britânicos. No governo, os funcionários falam na necessidade de inspirar inovações por meio da proteção às invenções. Nos conselhos administrativos, executivos definem estratégias para usar as leis de violação de patentes para derrubar rivais estrangeiros.

A China é frequentemente retratada como terra dos aparelhos falsificados e software pirateado, onde a propriedade intelectual como as patentes, as marcas registradas e os direitos autorais são ignorados. A realidade, no entanto, é mais complexa do que isso.

A China ignora o princípio jurídico da propriedade intelectual em alguns casos, mas o respeita em outros. Nessa contradição subjaz uma antiga visão da propriedade intelectual como ferramenta para atingir as metas cada vez mais ambiciosas do país.

Como parte de um grande plano chamado Made in China 2025, a China está adquirindo experiência com as indústrias do futuro, como robótica, inteligência artificial e carros elétricos, com frequência obrigando empresas estrangeiras atraídas para o grande mercado do país a compartilhar sua tecnologia. A China está também adotando um policiamento mais rigoroso das patentes e marcas registradas para um dia em que possa se tornar líder nessas tecnologias, usando a proteção à propriedade intelectual para defender sua posição contra economias rivais.

Zhang Ping, especialista em direito comercial da Universidade Peking, em Pequim, disse que o Ocidente há muito usa a lei de propriedade intelectual como “lança e escudo” contra as empresas chinesas, prejudicando os lucros domésticos e impedindo o acesso a mercados estrangeiros. Agora, disse ela, chegou a hora de a China reagir.

“Os interessados em entrar no nosso mercado e cooperar são bem-vindos”, disse Zhang, “mas não deixaremos que nos agarrem pelo pescoço e impeçam nosso crescimento”.

Representantes do governo dos Estados Unidos dizem que empresas chinesas empreenderam amplas campanhas de espionagem econômica por meios como os ataques cibernéticos, entre outros (as autoridades chinesas negam as acusações). Mais recentemente, a China usou sua crescente riqueza para comprar tecnologias de ponta, como organismos geneticamente modificados para o plantio e as mais recentes inovações das startups norte-americanas, e para atrair talentos promissores.

Faz tempo que o país aposta muito na eficácia comprovada de um método: formar joint ventures com parceiras estrangeiras como IBM e Qualcomm, que são obrigadas a compartilhar suas pesquisas e tecnologias avançadas.

Investimentos desse tipo ajudaram a China a construir indústrias inteiras do zero. Depois de usá-los para explorar as ferrovias de alta velocidade, por exemplo, as empresas chinesas passaram a dominar a indústria global.

Especialistas chineses dizem tratar-se apenas de negociações inteligentes, e não de violações das leis de propriedade intelectual.

O presidente Donald J. Trump, com o presidente Xi Jinping, acusou a China de roubar empregos. (Doug Mills/The New York Times)


Mas, em abril, o Gabinete do Representante Comercial dos EUA acusou a China de “atividades infratoras generalizadas”, incluindo o roubo de segredos comerciais, tolerância à pirataria on-line e exportação de artigos ilegítimos. O presidente Donald J. Trump autorizou uma investigação do roubo e transferência forçara de tecnologia por parte da China.

O ministério chinês do comércio respondeu dizendo que defenderia os interesses da China. E os comentaristas chineses destacaram que os EUA já foram os principais piratas do mundo, quando a estratégia funcionou para derrotar o domínio industrial britânico após a Revolução Americana com a obtenção de desenhos técnicos para invenções como os teares a vapor. A mídia controlada pelo estado destacou o caso de Samuel Slater, muitas vezes chamado de pai da revolução industrial norte-americana, que trouxe os projetos dos teares britânicos para os EUA no final do século 18.

Entretanto, com a China criando cada vez mais suas próprias inovações, o país adota leis de propriedade intelectual mais rigorosas. O governo criou tribunais especializados para lidar com disputas e concedeu subsídios aos empreendedores que registrarem patentes. Em 2015, mais de um milhão de patentes foi solicitado.

“Muitas empresas chinesas perceberam que podem ter uma vantagem no mercado por meio da proteção às patentes”, disse Li Jian, vice-presidente da Beijing East IP, empresa chinesa de advocacia. “Elas têm, agora, mais fé na proteção de sua propriedade intelectual por parte do governo chinês”.

As regras também beneficiaram algumas empresas estrangeiras. A New Balance derrotou nos tribunais este ano uma empresa chinesa que imitava seu logotipo do “N” inclinado num caso que recebeu bastante destaque.

Os especialistas dizem que o policiamento ainda é inconsistente. Os representantes do governo local muitas vezes relutam em ajudar empresas estrangeiras. Mas as companhias chinesas começaram a usar as leis de propriedade intelectual para afastar rivais estrangeiras.

No ano passado, quando a Comissão de Comércio Internacional dos EUA começou a investigar a Chic Intelligent Technology Company, uma fabricante de motos com equilíbrio automático na cidade de Hangzhou, leste do país, a empresa reagiu. A comissão investigava alegações segundo as quais a Chic teria copiado partes do produto de uma concorrente com sede na Califórnia, Razor USA.

A Chic deu entrada em processos retaliatórios contra as concorrentes norte-americanas, adotando muitas das táticas que a China diz terem sido usadas por empresas dos EUA para derrubar as concorrentes chinesas. Desde então, a comissão decidiu não proibir a importação das motos Chic.

A Chic deixou claro que enxergava a investigação como um esforço dos Estados Unidos de usar as leis de propriedade intelectual para intimidar as empresas chinesas. Em pronunciamento, os líderes da empresa compararam os reguladores norte-americanos aos invasores japoneses da Segunda Guerra Mundial.

“Quanto mais louco o inimigo”, dizia o pronunciamento, “maior a necessidade de manter nosso sítio”.

Paul Mozur e Iris Zhao contribuíram com a pesquisa.


Fonte: Estadão (POR JAVIER C. HERNÁNDEZ)

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